A Revolução do D10: Como o Dado de Dez Lados Mudou o RPG Para Sempre



Quando pensamos em RPG de mesa, uma das imagens mais clássicas que vem à mente é um punhado de dados coloridos espalhados sobre o mapa. Mas, curiosamente, entre esses dados tão familiares, existe um que demorou mais do que deveria para entrar no cenário: o icônico dado de dez lados, o famoso d10.

Hoje ele parece indispensável — especialmente para fãs de World of Darkness, Call of Cthulhu ou qualquer sistema que use porcentagem. Mas sua jornada até se tornar um padrão do hobby é cheia de improvisos criativos, falhas de mercado, invenção e o entusiasmo de comunidades como a Polyhedron Gaming Association.

Este texto conta essa história: como o d10 nasceu, como encontrou seu espaço nas mesas de RPG e por que se tornou tão amado.

Prepare-se — porque até mesmo um simples dado pode ter uma história épica.


Antes do D10 Existir: A Era dos Sólidos Platônicos e do D20 "Esperto"

Nos primórdios do RPG — especialmente na década de 70, quando Dungeons & Dragons começava a se espalhar por porões, garagens e clubes — os conjuntos de dados disponíveis seguiam quase um padrão matemático: eram todos sólidos platônicos.

Isso incluía:

  • d4

  • d6

  • d8

  • d12

  • d20

E só.

Até então, não existia um dado de 10 lados na indústria.
E, claro, os sistemas começaram a pedir probabilidades diferentes, faixas numéricas diversas e, principalmente, porcentagens de 0 a 99. O problema é que não havia nenhum dado com 10 faces nem com 100 faces disponível para isso.

A solução? Criatividade e um pouco de gambiarra.

O D20 “duplo”: um truque engenhoso (e confuso)

O método mais utilizado era pegar um d20 numerado de 0 a 9 duas vezes (ou de 1 a 10 duas vezes).

Para gerar resultados de 1 a 10 ou 0 a 9:

  • Usava-se a cor da tinta.

  • Ou combinava-se previamente qual metade correspondia a qual faixa.

  • Ou aceitava-se simplesmente a duplicidade e interpretava-se o resultado conforme o sistema pedia.

Para porcentagem, combinavam dois d20s, cores, convenções…
Funcionava, mas criava confusão, ambiguidades e erros de leitura. Em outras palavras: o hobby precisava urgentemente de um dado específico para essas funções.

Foi aí que entrou em cena uma empresa que mudaria a história dos acessórios de RPG.



1980: O Ano em que o D10 Ganhou Vida

Se existe um nome que deve ser lembrado quando falamos do nascimento do d10, esse nome é Lou Zocchi, fundador da Gamescience.

A Gamescience se especializava em produzir dados mais precisos e transparentes, com padrões de fabricação que buscavam maior equilíbrio. Mas em novembro de 1980 eles iriam além disso.

A invenção do primeiro d10 comercial da história

Em 1980, a Gamescience anunciou o primeiro dado de 10 lados produzido em larga escala.

Ele não era platônico — e isso chamou bastante atenção. Sua forma se baseava em um tipo específico de poliedro:

>>> o trapezoedro pentagonal, também conhecido como "bipirâmide pentagonal".

Era um formato elegante, com dez faces simétricas em forma de pipa.
A partir desse ponto, as mesas de RPG nunca mais seriam as mesmas.


A Consolidação: Quando o D&D de 1981 Disse “Sim” ao D10

O d10 começou a se espalhar rapidamente, mas seu momento decisivo veio logo no ano seguinte.

O “Basic Set” de Tom Moldvay (1981)

O conjunto básico revisado de D&D incluiu pela primeira vez o d10 em seu set oficial de dados.

Isso deu ao novo dado:

  • Legitimidade

  • Visibilidade

  • Aceitação instantânea pela comunidade

A partir dali, qualquer fabricante de dados ou qualquer sistema que pretendesse competir no mercado adotou o d10 como parte do conjunto standard de dados poliédricos.


Mais Inovação: O Nascimento do Dado Percentual (D100)

A Gamescience não parou no d10.

Em março de 1990, Lou Zocchi apresentou ao mercado o Deckaider™, um d10 especial numerado em dezenas:

  • 00

  • 10

  • 20

  • ...

  • 90

Quando usado junto com um d10 tradicional, ele gerava números de 00 a 99, criando o famoso método de rolagem d100 ou d%.

Hoje isso é tão comum que quase todo jogador já usou dois d10 para rolar porcentagem.
Mas a origem desse método veio desse pequeno e revolucionário produto da Gamescience.


O Papel Esquecido (e Essencial) da Polyhedron Gaming Association

Enquanto empresas como a Gamescience inovavam na fabricação de dados, outra força importante trabalhava nos bastidores para informar, animar e organizar a comunidade: a Polyhedron Gaming Association (PGA) e sua revista Polyhedra.

Um Farol de Informação na Era Pré-Internet

A revista Polyhedra era:

  • Um jornal do hobby

  • Um mural de novidades

  • Um fórum impresso de debates, opiniões e anúncios

Foi ali que muitos jogadores ouviram falar pela primeira vez sobre:

  • O lançamento do d10

  • Os novos formatos de dados

  • As mudanças nos sistemas

  • A expansão da cultura dos RPGs

Sem internet, isso significava que a revista era uma ponte essencial entre fabricantes, jogadores e grupos de jogo espalhados pelo mundo.

A PGA ajudou a comunidade a entender e aceitar o d10 como parte fundamental do kit moderno de RPG.


Curiosidades Sobre o D10: Pequenas Peculiaridades de um Grande Ícone

É o único dado padrão de RPG que não é um sólido platônico.
Seu formato único garante equilíbrio probabilístico mesmo sem seguir a tradição geométrica clássica.

É extremamente versátil.
Com um único d10, você pode simular:

  • d10

  • d5

  • d100 (com outro d10)

É indispensável em sistemas modernos.
Vampiro: A Máscara, Chamado de Cthulhu, Coyote & Crow e inúmeros RPGs usam d10s como parte central de seus sistemas de resolução.

Suas combinações permitiram o surgimento de mecânicas de porcentagem mais elegantes, influenciando o design de sistemas por décadas.


Para Saber Mais: História Profunda dos Dados de RPG

Algumas fontes excelentes (em inglês) para quem deseja mergulhar ainda mais fundo:

  • Playing at the World: análises históricas detalhadas

  • Fóruns da comunidade OD&D (onde colecionadores discutem datas e modelos dos primeiros dados)

  • Artigos da GMDice e outros sites de colecionismo

  • Entrevistas clássicas com Lou Zocchi, facilmente encontradas em blogs e canais de entusiastas

Cada uma dessas fontes ajuda a reconstruir a evolução técnica e cultural dos dados poliédricos.


Aqui estão os primeiros jogos e suplementos notáveis que passaram a utilizar (ou foram projetados para utilizar) o d10 logo após seu lançamento e popularização:

Dungeons & Dragons (D&D)

O primeiro lugar onde o d10 se tornou um padrão oficial foi nas edições que se seguiram à sua invenção.

  • D&D Basic Set (1981, por Tom Moldvay): Esta é a edição fundamental que oficialmente introduziu o d10 como parte integrante do conjunto básico de dados. Diferente do conjunto original de 1974 ou da edição de Holmes (1977), o conjunto B/X (Basic/Expert) de Moldvay e Cook vinha com o d10 incluído, estabelecendo-o como um dado padrão para novas gerações de jogadores.
  • AD&D 2ª Edição (1989): Embora a 1ª Edição de Advanced Dungeons & Dragons (AD&D) usasse d6s para iniciativa e d20s duplos para porcentagens, a 2ª Edição padronizou o uso do d10, notavelmente para testes de iniciativa e como parte do sistema de porcentagem (d100). 
Outros Jogos de RPG Pioneiros
A versatilidade do d10 foi rapidamente adotada por outros editores de jogos, que viram a vantagem de ter um dado dedicado para sistemas percentuais ou sistemas baseados em uma escala de 1 a 10. 
  • Call of Cthulhu (1981, Chaosium): Este foi um dos primeiros jogos a adotar um sistema de regras inteiramente baseado em percentual (d100), fazendo do d10 um dado essencial desde a sua primeira edição. O sistema de Call of Cthulhu (conhecido como Basic Role-Playing - BRP) usa dois d10s (um para dezenas e outro para unidades) para todas as rolagens de perícias.
  • RuneQuest (1978, Chaosium): Embora lançado antes do d10, o sistema BRP do jogo utilizava porcentagens. Com a disponibilidade do d10 físico, a utilização do dado tornou-se a norma nas edições e suplementos subsequentes.
  • Rolemaster (1980, Iron Crown Enterprises - ICE): Lançado no mesmo ano que o d10 da Gamescience, Rolemaster usava extensivamente tabelas baseadas em rolagem de percentual. A disponibilidade do d10 físico facilitou imensamente a jogabilidade deste sistema detalhado.
  • Top Secret (1980, TSR): Este RPG de espionagem da TSR, lançado no mesmo ano que o d10, utilizava um sistema percentual para atributos e perícias, sendo um dos primeiros jogos da TSR a se afastar do d6/d20 duplo para esse fim.
  • Stormbringer (1981, Chaosium): Outro jogo que utilizava o sistema Basic Role-Playing (BRP) da Chaosium, exigindo d10s para suas mecânicas de jogo. 
O D10 como Dado Exclusivo: O Storyteller System 
Mais tarde, o d10 encontrou seu uso mais icônico e exclusivo no World of Darkness (Mundo das Trevas), da White Wolf Publishing. 
  • Vampire: The Masquerade (1991, White Wolf): Este jogo revolucionou o RPG ao usar exclusivamente dados de 10 lados (o Storyteller System). Todos os testes de personagem envolvem rolar um conjunto de d10s e contar os sucessos. Isso marcou uma mudança significativa, onde o d10 não era apenas um dado complementar, mas sim o único dado necessário para jogar. 
A transição para o d10 foi um momento chave na história dos RPGs, simplificando a matemática de probabilidade e permitindo o desenvolvimento de sistemas de jogo inteiramente novos e mais focados em uma única distribuição de dados.

Conclusão: O Pequeno Dado Que Fez Uma Grande Diferença

Se hoje abrimos uma caixa de RPG e encontramos um d10 sem pensar duas vezes, é porque décadas de inventores, jogadores, fabricantes e comunidades tornaram isso possível.

De truques improvisados com d20s até a invenção ousada da Gamescience…
De revistas como a Polyhedra até o uso pioneiro no D&D Básico de 1981…
O d10 foi conquistando seu espaço lentamente — e, quando ganhou, transformou completamente a forma como jogamos.

Um simples poliedro com dez faces mudou a história do RPG.
E continua mudando até hoje, uma rolagem por vez.

Quando o conjunto Holmes de Dungeons & Dragons foi lançado, os dados poliédricos não eram facilmente encontrados. Como os dados não estavam disponíveis, a TSR os incluiu no conjunto Holmes.


Quando os dados estavam disponíveis, eles eram incluídos nos conjuntos de Holmes.




Links de Referências

http://playingattheworld.blogspot.com/2013/02/how-gaming-got-its-dice.html

https://odd74.proboards.com/thread/1458/when-sided-dice-start-used?scrollTo=22968&page=2

https://www.gmdice.com/blogs/dnd/the-history-of-polyhedral-dice?srsltid=AfmBOoqbzbRiYPSk_SzDf6EDU4iLAKRphSpclnI4jsIeraWKX8NatMMV

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