Quando pensamos em RPG de mesa, uma das imagens mais clássicas que vem à mente é um punhado de dados coloridos espalhados sobre o mapa. Mas, curiosamente, entre esses dados tão familiares, existe um que demorou mais do que deveria para entrar no cenário: o icônico dado de dez lados, o famoso d10.
Hoje ele parece indispensável — especialmente para fãs de World of Darkness, Call of Cthulhu ou qualquer sistema que use porcentagem. Mas sua jornada até se tornar um padrão do hobby é cheia de improvisos criativos, falhas de mercado, invenção e o entusiasmo de comunidades como a Polyhedron Gaming Association.
Este texto conta essa história: como o d10 nasceu, como encontrou seu espaço nas mesas de RPG e por que se tornou tão amado.
Prepare-se — porque até mesmo um simples dado pode ter uma história épica.
Antes do D10 Existir: A Era dos Sólidos Platônicos e do D20 "Esperto"
Nos primórdios do RPG — especialmente na década de 70, quando Dungeons & Dragons começava a se espalhar por porões, garagens e clubes — os conjuntos de dados disponíveis seguiam quase um padrão matemático: eram todos sólidos platônicos.
Isso incluía:
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d4
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d6
-
d8
-
d12
-
d20
E só.
A solução? Criatividade e um pouco de gambiarra.
O D20 “duplo”: um truque engenhoso (e confuso)
O método mais utilizado era pegar um d20 numerado de 0 a 9 duas vezes (ou de 1 a 10 duas vezes).
Para gerar resultados de 1 a 10 ou 0 a 9:
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Usava-se a cor da tinta.
-
Ou combinava-se previamente qual metade correspondia a qual faixa.
-
Ou aceitava-se simplesmente a duplicidade e interpretava-se o resultado conforme o sistema pedia.
Foi aí que entrou em cena uma empresa que mudaria a história dos acessórios de RPG.
1980: O Ano em que o D10 Ganhou Vida
Se existe um nome que deve ser lembrado quando falamos do nascimento do d10, esse nome é Lou Zocchi, fundador da Gamescience.
A Gamescience se especializava em produzir dados mais precisos e transparentes, com padrões de fabricação que buscavam maior equilíbrio. Mas em novembro de 1980 eles iriam além disso.
A invenção do primeiro d10 comercial da história
Em 1980, a Gamescience anunciou o primeiro dado de 10 lados produzido em larga escala.
Ele não era platônico — e isso chamou bastante atenção. Sua forma se baseava em um tipo específico de poliedro:
>>> o trapezoedro pentagonal, também conhecido como "bipirâmide pentagonal".
A Consolidação: Quando o D&D de 1981 Disse “Sim” ao D10
O d10 começou a se espalhar rapidamente, mas seu momento decisivo veio logo no ano seguinte.
O “Basic Set” de Tom Moldvay (1981)
O conjunto básico revisado de D&D incluiu pela primeira vez o d10 em seu set oficial de dados.
Isso deu ao novo dado:
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Legitimidade
-
Visibilidade
-
Aceitação instantânea pela comunidade
A partir dali, qualquer fabricante de dados ou qualquer sistema que pretendesse competir no mercado adotou o d10 como parte do conjunto standard de dados poliédricos.
Mais Inovação: O Nascimento do Dado Percentual (D100)
A Gamescience não parou no d10.
Em março de 1990, Lou Zocchi apresentou ao mercado o Deckaider™, um d10 especial numerado em dezenas:
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00
-
10
-
20
-
...
-
90
Quando usado junto com um d10 tradicional, ele gerava números de 00 a 99, criando o famoso método de rolagem d100 ou d%.
Hoje isso é tão comum que quase todo jogador já usou dois d10 para rolar porcentagem.
Mas a origem desse método veio desse pequeno e revolucionário produto da Gamescience.
O Papel Esquecido (e Essencial) da Polyhedron Gaming Association
Enquanto empresas como a Gamescience inovavam na fabricação de dados, outra força importante trabalhava nos bastidores para informar, animar e organizar a comunidade: a Polyhedron Gaming Association (PGA) e sua revista Polyhedra.
Um Farol de Informação na Era Pré-Internet
A revista Polyhedra era:
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Um jornal do hobby
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Um mural de novidades
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Um fórum impresso de debates, opiniões e anúncios
Foi ali que muitos jogadores ouviram falar pela primeira vez sobre:
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O lançamento do d10
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Os novos formatos de dados
-
As mudanças nos sistemas
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A expansão da cultura dos RPGs
Sem internet, isso significava que a revista era uma ponte essencial entre fabricantes, jogadores e grupos de jogo espalhados pelo mundo.
A PGA ajudou a comunidade a entender e aceitar o d10 como parte fundamental do kit moderno de RPG.
Curiosidades Sobre o D10: Pequenas Peculiaridades de um Grande Ícone
✔ É o único dado padrão de RPG que não é um sólido platônico.
Seu formato único garante equilíbrio probabilístico mesmo sem seguir a tradição geométrica clássica.
✔ É extremamente versátil.
Com um único d10, você pode simular:
-
d10
-
d5
-
d100 (com outro d10)
✔ É indispensável em sistemas modernos.
Vampiro: A Máscara, Chamado de Cthulhu, Coyote & Crow e inúmeros RPGs usam d10s como parte central de seus sistemas de resolução.
✔ Suas combinações permitiram o surgimento de mecânicas de porcentagem mais elegantes, influenciando o design de sistemas por décadas.
Para Saber Mais: História Profunda dos Dados de RPG
Algumas fontes excelentes (em inglês) para quem deseja mergulhar ainda mais fundo:
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Playing at the World: análises históricas detalhadas
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Fóruns da comunidade OD&D (onde colecionadores discutem datas e modelos dos primeiros dados)
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Artigos da GMDice e outros sites de colecionismo
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Entrevistas clássicas com Lou Zocchi, facilmente encontradas em blogs e canais de entusiastas
Cada uma dessas fontes ajuda a reconstruir a evolução técnica e cultural dos dados poliédricos.
Aqui estão os primeiros jogos e suplementos notáveis que passaram a utilizar (ou foram projetados para utilizar) o d10 logo após seu lançamento e popularização:
Dungeons & Dragons (D&D)
O primeiro lugar onde o d10 se tornou um padrão oficial foi nas edições que se seguiram à sua invenção.
- D&D Basic Set (1981, por Tom Moldvay): Esta é a edição fundamental que oficialmente introduziu o d10 como parte integrante do conjunto básico de dados. Diferente do conjunto original de 1974 ou da edição de Holmes (1977), o conjunto B/X (Basic/Expert) de Moldvay e Cook vinha com o d10 incluído, estabelecendo-o como um dado padrão para novas gerações de jogadores.
- AD&D 2ª Edição (1989): Embora a 1ª Edição de Advanced Dungeons & Dragons (AD&D) usasse d6s para iniciativa e d20s duplos para porcentagens, a 2ª Edição padronizou o uso do d10, notavelmente para testes de iniciativa e como parte do sistema de porcentagem (d100).
- Call of Cthulhu (1981, Chaosium): Este foi um dos primeiros jogos a adotar um sistema de regras inteiramente baseado em percentual (d100), fazendo do d10 um dado essencial desde a sua primeira edição. O sistema de Call of Cthulhu (conhecido como Basic Role-Playing - BRP) usa dois d10s (um para dezenas e outro para unidades) para todas as rolagens de perícias.
- RuneQuest (1978, Chaosium): Embora lançado antes do d10, o sistema BRP do jogo utilizava porcentagens. Com a disponibilidade do d10 físico, a utilização do dado tornou-se a norma nas edições e suplementos subsequentes.
- Rolemaster (1980, Iron Crown Enterprises - ICE): Lançado no mesmo ano que o d10 da Gamescience, Rolemaster usava extensivamente tabelas baseadas em rolagem de percentual. A disponibilidade do d10 físico facilitou imensamente a jogabilidade deste sistema detalhado.
- Top Secret (1980, TSR): Este RPG de espionagem da TSR, lançado no mesmo ano que o d10, utilizava um sistema percentual para atributos e perícias, sendo um dos primeiros jogos da TSR a se afastar do d6/d20 duplo para esse fim.
- Stormbringer (1981, Chaosium): Outro jogo que utilizava o sistema Basic Role-Playing (BRP) da Chaosium, exigindo d10s para suas mecânicas de jogo.
- Vampire: The Masquerade (1991, White Wolf): Este jogo revolucionou o RPG ao usar exclusivamente dados de 10 lados (o Storyteller System). Todos os testes de personagem envolvem rolar um conjunto de d10s e contar os sucessos. Isso marcou uma mudança significativa, onde o d10 não era apenas um dado complementar, mas sim o único dado necessário para jogar.
Conclusão: O Pequeno Dado Que Fez Uma Grande Diferença
Se hoje abrimos uma caixa de RPG e encontramos um d10 sem pensar duas vezes, é porque décadas de inventores, jogadores, fabricantes e comunidades tornaram isso possível.
Quando o conjunto Holmes de Dungeons & Dragons foi lançado, os dados poliédricos não eram facilmente encontrados. Como os dados não estavam disponíveis, a TSR os incluiu no conjunto Holmes.
http://playingattheworld.blogspot.com/2013/02/how-gaming-got-its-dice.html
https://odd74.proboards.com/thread/1458/when-sided-dice-start-used?scrollTo=22968&page=2






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