Um dos pontos mais importantes de uma ficha de personagem de RPG é o prelúdio, estória, ou qualquer que seja o nome dado às informações a respeito do seu personagem. A ficha de um personagem se divide basicamente em duas partes, a primeira é a sua pontuação, que varia de sistema para sistema e descreve os poderes e habilidades do personagem. A segunda é o prelúdio, que é tudo aquilo que está além das pontuações. A estória do personagem, suas aspirações, características marcantes etc.
Infelizmente devido a seu caráter obviamente mais interpretativo, o prelúdio muitas vezes é deixando em segundo plano, em detrimento da parte pontuada. Tal fato é acentuado ainda mais pelos sistemas mais famosos os quais normalmente deixam o espaço reservado para o prelúdio no final da ficha, como se este fosse apenas um toque final, um detalhe a mais e de menor importância.
Esse é provavelmente um dos maiores erros cometidos pelos autores e editores que são até certo ponto culpados por toda uma geração hack-and-slasher, os famosos roladores de dados, jogadores interessados apenas em combates. Muito além de um mero detalhe a ser posto no final da ficha de personagem ou do que apenas um conjunto de explicações para os poderes de um personagem, o prelúdio é muito provavelmente a mais importante parte da ficha caso o que se planeje jogar seja um Role-Playing-Game, ou seja, um jogo de INTERPRETAÇÃO. Afinal o RPG é um jogo para se interpretar papéis e isso é perfeitamente impossível apenas com um conjunto de pontos que só servem para as rolagens de dados.
Se auto-afirmar como jogador de RPG sem dar a merecida importância ao prelúdio é, segundo o conceito mais puro da palavra, uma heresia.
Mas mais importante do que clamar por prelúdios mais bem elaborados de seus jogadores, é papel dos narradores instruírem-los nessa, que é uma jornada tão prazerosa quando trilhada corretamente...
A Criação de Personagem
Por mais que um prelúdio mais completo e elaborado melhore consideravelmente o desempenho tanto do jogador quando do narrador, alguns pontos são de maior valia que outros. Um prelúdio bem feito não precisa necessariamente conter páginas e páginas de texto detalhado sobre o personagem, como pensam muitos jogadores ditos “mais experientes”. Ao contrário disso, um prelúdio breve e conciso pode ser até mesmo melhor do que um mais detalhado em alguns casos. O ponto chave de um prelúdio não é a quantidade e sim a qualidade.
Criar um prelúdio de qualidade e conciso o bastante para não consumir uma tarde inteira pensando em detalhes é uma tarefa árdua para jogadores novatos algumas vezes. Mas a priorização de alguns pontos chave bem determinados pode tornar o processo mais rápido e menos desgastante.
História de Vida:
Seu personagem nasceu em algum lugar, cresceu e viveu. O que aconteceu com ele durante esse tempo? Quais foram os pontos altos de seu passado dos quais ele se orgulha? De quais se envergonha? Veja que não é necessário descrever cada mísero traço da vida dele, apenas aqueles que têm alguma relevância em sua opinião. A morte de um grande amigo, um rompimento traumático com uma namorada (o).
Esses traços ajudam você a entender como ele encara a vida, são experiências assim que forjam o caráter do personagem. Se ele é honesto talvez tenha sofrido com uma traição, por exemplo. Lembre-se de que não existe presente sem um passado.
Círculos sociais:
Ninguém sobrevive completamente sozinho, se até o Tarzan tinha contato com os animais, seu personagem também deve ter um circulo de amizades e contatos. Tente especificá-los da melhor maneira possível em seu prelúdio pois o narrador certamente fará algum uso dessas informações durante o jogo. Os NPC´s não são para serem criados exclusivamente pelo narrador, pelo contrário, espera-se que o jogador descreva pelo menos alguns com os quais ele tem contato. Personagens que “brotam do chão” e passam a vida inteira sozinhos são o caminho mais rápido para uma estória monótona e sem sentido. Afinal quem consegue criar um enredo descente pra um personagem que “existe por existir”?
Perfil Psicológico:
“ Olha doutor, quando eu tinha 5 anos eu caí da escada e desde então...”. Exageros a parte, todo personagem teve uma trajetória de vida, experiências que o marcaram e o tornaram como ele é. Não é necessário dizer o motivo que leva seu personagem a gostar de bolo de chocolate, mas será muito bom dizer por que ele tem odeia violência, por exemplo.
Além desse tipo de explicação, o perfil psicológico do personagem deve conter os traços marcantes de sua personalidade. Coisas extremamente genéricas como “Sou um cara bondoso” ou “Sou frio e sem sentimentos” são exemplos de perfis que NÃO se deve usar. Especifique a maneira do personagem se comportar, aquilo que o irrita, as coisas que ele gosta, o que o assusta ou o excita, até detalhes bobos como o tipo de música favorita são bem vindos. Lembre-se que seu personagem não se comporta da mesma maneira o tempo todo, então descreva em que ambientes ou situações seu estilo de agir pode mudar.
Não tenha medo de dar SENTIMENTOS a ele, pois isso tornará sua interpretação muito mais vívida e valiosa.
O Tempo Presente:
O passado pode definir o caráter do personagem, mas ele vive no presente, então nada mais óbvio do que destrinchar um pouco disso no prelúdio. Onde o personagem vive? Com o que trabalha? Está feliz? Entediado? É no tempo presente que as emoções do seu personagem serão mais preponderantes. Ele pode estar infeliz ou cansado da monotonia e da rotina diária. Pode estar com um problema e precisa correr atrás de uma solução para isso.
É no presente que todo o prelúdio culmina, pois tudo o que foi feito antes irá se juntar aqui para definir o que é provavelmente a coisa mais importante no prelúdio, a Motivação.
Motivação:
É o que move seu personagem, o que ele quer da vida, e nem pense em baboseiras filosóficas como “Quero fazer do mundo um lugar melhor”. Esse é o momento da sinceridade. Seu personagem segue uma trilha tentando chegar a algum lugar, qual seria ele? Ele continua uma jornada por que algo lhe da forças para tal, que objetivo é esse que o move? Jamais tente criar um personagem sem definir claramente sua motivação na vida ou você será apenas mais um peão dentro da partida de xadrez, fazendo o que lhe é ordenado apenas por fazer. Se você fica feliz em apenas seguir ordens e rolar dados então nem deveria estar lendo isso não é?
Tenha isso sempre em mente quando estive jogando, sua motivação é a base da alma de seu personagem e deve ser a base de sua interpretação também.
Pontas Soltas:
Um grande problema enfrentado por vários narradores é que boa parte dos jogadores, experientes ou não, tentem a achar que o prelúdio de seus personagens deve ser bem “amarrado”, perfeito, sem falhas ou lacunas: ERRADO. Pontas soltas são algo extremamente útil para os narradores, embora não influenciem em praticamente nada no personagem em si ou em como você vai interpretá-lo, são elas que irão permitir ao narrador colocar você na estória!
Parece insano a princípio, se dar ao trabalho de fazer um prelúdio detalhado e bem planejado e então colocar buracos nele, mas pense como um narrador vai por você em cena? Como ele vai ligar você a um enredo que ele muito provavelmente havia criado antes de você criar seu prelúdio?
Pontas soltas não precisam ser grandes mistérios envolvendo o personagem.
Talvez o fato de ele nunca ter visto diretamente o próprio chefe do trabalho...
Aquele parente que ele não vê há anos ter mandado uma carta agendando uma visita...
Aquele porão que ele nunca teve tempo de limpar, onde o último dono deixou quinquilharias...
Qualquer pequena lacuna pode ser usada como um gancho pelo narrador. Isso reduz drasticamente o stress da primeira sessão de jogo onde normalmente o narrador perde um bom tempo inventando algo para seu personagem entrar na estória, tente direcionar essas lacunas de modo que elas se adéquem mais facilmente ao cenário escolhido. Facilite o trabalho dele e você se divertirá bem mais durante o jogo.
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